Mãe é Mãe!
Por Angelo Marion
Psicanalista e Policial Rodoviário Federal
A natureza, ou a criação, deu à mulher a oportunidade única de ser responsável pela perpetuação da espécie humana. Desconhece-se até aqui a geração de uma pessoa fora do útero, pois a fertilização pode ocorrer fora, mas a gestação só é viável na anatomia e na fisiologia de uma mulher que, quando gestante, prepara-se para ser mãe, condição e missão de vida das mais louváveis e também da mais alta responsabilidade. Mãe é um ser que empresta seu corpo, doa sua vida para que outro ser possa nascer.
A título de curiosidade, a escritora e psicanalista Christiane Olivier, no livro Os Filhos de Jocasta, discorda de Freud no tocante à origem dos infindáveis embates dos gêneros: enquanto Freud afirma que as mulheres tem inveja dos homens devido a diferenças anatômicas genitais, a autora afirma, não sem sentido, que a tentativa masculina de submeter a mulher decorre da inveja que o homem tem do fato da mulher ser a única capaz de gerar um ser humano.
Sim, há variações nessa relação entre as atribuições masculinas e femininas, daí vemos mulheres que desconsideram essa função essencial e homens que, embora não possam gerar, cuidam de um(a) filho(a) com tamanho afeto que a ausência da mãe – seja qual for o motivo dessa ausência – é bastante amenizada e não prejudica o desenvolvimento da criança.
Pois bem, ao lado dessa função materna, merecedora de todo o reconhecimento e prestígio, a mulher tem, ao se tornar mãe, e isso desde a concepção, uma responsabilidade compatível com a importância de ser o único gênero capaz de trazer outro à luz, pois a maternidade não se resume à fisiologia da gravidez e do parto.
Além da amamentação e demais cuidados com o recém-nascido, existe uma responsabilidade, quase que total, pela qualidade da formação afetiva da criança, desde a amamentação até os cuidados e orientações na puberdade, pois para a criança, a primeira e mais importante figura com quem entra em contato nesse mundo é a mãe. E a qualidade dessa formação vai influenciar diretamente toda a história e as condições afetivas e emocionais dessa criança desde a infância, e de maneira mais consolidada na fase adulta.
Isso quer dizer que o esforço e a dedicação de uma mãe não se resume ao cuidado ou responsabilidades objetivas para com a criança, indo além, colocando sobre os ombros – melhor diria sobre o coração – dessa mulher agora realizada, uma carga afetiva onde, antes de cuidar do filho(a), deve cuidar de si, da sua vida afetiva e psíquica.
Não há regra perfeita e 100% eficaz para uma mãe criar e educar um(a) filho(a), e embora exista todo um rol de recomendações, científicas ou costumeiras, a profundidade da relação entre mãe e filho(a) leva a mulher a um mergulho no oceano, muitas vezes sem a terra à vista, exigindo uma visão e forças sobre-humanas. Tamanho é o impacto desse mergulho, que muitas vezes temos casos de depressão pós-parto, onde a mãe não suporta a realidade instintiva primária, fundamental que envolve o parto. Há indicações que essa depressão decorre da vulnerabilidade afetiva da mulher por uma formação distorcida, onde ela vê a si mesma apenas como mulher, como esposa, como profissional, como amiga, mas não vê em si a figura da fêmea reprodutora, de base instintiva e muitas vezes recalcada ou reprimida para o inconsciente, e quando se depara com essa realidade, entra em depressão. Definitivamente ser mãe não é algo simples ou fácil, e exige, no mínimo, consciência das suas funções nesse mundo. E sim, a formação e a educação afetivas das meninas são fundamentais para que tenhamos mulheres e mães conscientes da importância e da responsabilidade da maternidade.
Também vemos mães superprotetoras, outras desleixadas, mães que querem ser pais também, e outras que querem que os pais assumam o papel de mãe, enfim, temos sim, especialmente nos tempos atuais, dificuldades afetivas das mais diversas, muitas individuais e outras de origem social, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, uma necessidade que leva ao distanciamento entre mãe e filho(a). Tamanha a importância dessa proximidade que as leis trabalhistas e até mesmo a lei de execuções penais prevê mecanismos para que a mãe trabalhadora ou presa fique próxima do(s) filho(a)s, pelo menos na amamentação. Quando uma mãe defende seu filho(a), mesmo condenado pelos homens, ela está defendendo o que de melhor ela fez nessa existência. O amor de uma mãe é incomparável, pois se já deu parte de si para a geração e o nascimento, não é difícil dar a própria vida pela existência da sua prole.
Todos somos humanos, e as mães não escapam dessa regra, tendo defeitos e um grande caminho de evolução a trilhar. É inegável a necessidade e o benefício da mulher que será ou é mãe, conhecer a si mesma, suas aflições, angústias, dificuldades e facilidades afetivas, visando a proporcionar ao ser vindouro, seu filho ou filha, sua cria, seu rebento, um vínculo afetivo saudável, suficiente e necessário a um desenvolvimento feliz e realizador. Mesmo as pessoas que sofrem pela ausência real ou afetiva da mãe ainda podem lembrar que, bem ou mal, com ou sem dor, a mãe deve ser honrada – terminologia da constelação – ou seja, não se obriga alguém a amar quem não deu amor, mas é importante, e afetivamente saudável, reconhecer que essa mãe foi fundamental para que essa pessoa exista, enfim, foi através dessa mãe que a pessoa veio ao mundo, e isso não é pouca coisa.
Mas de fato, tirando as dificuldades inerentes à condição humana, mãe é mãe! Essa capacidade deve ser enaltecida, cuidada, protegida. Após a fecundação inicia-se um processo dentro dela que não para, evolui sem cessar, é mágico, afinal, de dois gametas invisíveis começa a multiplicação de células, num projeto tão perfeito que mesmo a ciência tem dificuldade em definir de onde vem esse fenômeno. Uma célula reproduz outra, células sofrem especializações, e num dado momento uma alma se estabelece nesse feto, numa proximidade tão íntima com a alma da mãe, que esse elo não se desfaz por toda uma vida. Tão profunda essa ligação que o psiquismo admite complexos como o de Édipo, onde trazemos dos primórdios da vida a atração entre mães e filho(a)s. Maternidade não é namoro ou casamento. É compartilhar a vida, a própria vida.
Sim, é inegável a obra divina na maternidade, ou a perfeição do universo para os que não creem. Na tradição cristã ocidental, Deus se fez homem através da mulher, fazendo-a mãe, mãe de Deus. Por tudo isso, que o segundo domingo do mês de maio não seja o único dia de homenagem às mães. Que todo ser humano entenda e reconheça que, não fosse a maternidade, já não existiríamos na face da terra. A dignidade da maternidade é inafastável, especialmente numa sociedade onde, além de mãe, a mulher é provedora.
O respeito e o cuidado para com essas mulheres que servem à vida deve ser uma constante na formação e educação das pessoas, desde o jardim de infância, aliás, desde o próprio lar, pois embora a maternidade seja individualíssima, merece todo apoio e reconhecimento dignos dessa difícil, nobre e bela função.
Mãe é Mãe!
Fiquem bem!