Assédio moral atinge 36% da população economicamente ativa

Assédio moral atinge 36% da população economicamente ativa

O fato de vivermos em uma sociedade marcada cada vez mais pela competitividade e pelo individualismo tem gerado grandes consequências em várias áreas de nossas vidas. E o que podemos falar quando estamos inseridos em ambientes, que somam a estes elementos, hierarquia e poder? Passamos a ter um terreno fértil para a propagação do assédio moral; um problema que vem se tornado endêmico na Administração Pública, onde metas inalcançáveis passam a ser cobradas em detrimento da saúde física, psicológica e social e o ambiente de trabalho torna-se tóxico, gerenciado de forma arbitrária, irresponsável e cruel.

Segundo dados do site assediomoral.org, no Brasil 36% da população economicamente ativa já sofreu assédio moral. Uma pesquisa realizada pela médica do trabalho Margarida Barreto, da PUC de São Paulo, mostra que o assédio moral acontece de norte a sul do País, e que de um universo de 42,4 mil trabalhadores de empresas públicas e privadas, governos e organismos não-governamentais, dez mil já sofreram algum tipo de humilhação no trabalho.

De acordo com a psicóloga conveniada do SINPRF-SP, Patrícia Fernandes, o assédio moral revela forte intenção em humilhar, ofender e constranger. No caso do Policial Rodoviário Federal, que já exerce uma função estressante, exposto a tantas situações complexas, o assédio moral torna-se ainda mais violento e agressivo. “A exposição do PRF ao assédio moral colabora para o desenvolvimento de doenças psicossomáticas, transtornos psicológicos e alterações comportamentais”, conta a psicóloga.

Para o advogado da Capano Passafaro Advogados Associados, Dr. Flávio de Freitas Retto, o assédio moral caracteriza-se principalmente pela exposição repetitiva e prolongada a situações humilhantes e constrangedoras, durante a jornada de trabalho e exercício de suas funções, desestabilizando a relação da “vítima” com o ambiente de trabalho. “O assédio moral caracteriza-se, primordialmente pelo autoritarismo hierárquico, predominando relações aéticas e até mesmo desumanas, gerando uma degradação deliberada, por parte do superior hierárquico, das condições de trabalho impostas à vítima”, explica.

Sobre o perfil psicológico dos assediadores, Patrícia Fernandes conta que os mesmos são agressores e por motivos individuais, tratam o outro sem afetividade, exploram e desvalorizam. “O dano causado pela negligência na negativa do olhar ao trabalhador envolve muito mais que desmotivação, contribui para o adoecimento psíquico do trabalhador”, completa.

Algumas dúvidas surgem no tocante ao fato do assédio moral partir na maioria das vezes de um superior hierárquico, e a possibilidade do mesmo alegar legítimo exercício do poder de comando. Nesses casos, muitas vítimas se perguntam como delimitar essa linha tênue, que separa o assédio moral do poder de comando. Em respostas a estas indagações, Dr. Flávio de Freitas Retto explica que para a caracterização do assédio, é necessário partir de um superior hierárquico, contudo, o “poder de comando” não é irrestrito, sendo balizado pela legislação e regulamentos e, norteado pelos princípios da ética profissional, da razoabilidade e da proporcionalidade dos atos e esclarece: “Qualquer ato de superior hierárquico, que ultrapasse esses limites, podem sugerir a ocorrência de assédio moral, desde que comprovadamente se sucedam repetitiva e prolongadamente, devendo-se lembrar que eventual excesso do poder de mando, isoladamente, não caracteriza o assédio. Deve haver o isolamento, a hostilização, a ridicularização e o descrédito”.

 Servidor poderá ser indenizado pelos danos decorrentes do assédio sofrido

O advogado Dr. Flávio de Freitas Retto entende que o Policial Rodoviário Federal que se sentir constantemente constrangido por ato de seu superior hierárquico imediato deve, por uma questão ética, dirigir-se ao mesmo e expor os fatos, informando inclusive, que se houver a continuidade de tal conduta, levará ao conhecimento da autoridade superior para apreciação e solução do problema, podendo, caso mesmo após a intervenção da autoridade não se encerre tais condutas, buscar a prestação jurisdicional apta a pôr fim ao assédio sofrido.

Nos casos em que a solicitação de providências de autoridade superior do agressor e da vítima, não surtir o efeito desejado, ou houver omissão na solução do problema, Dr. Flávio de Freitas explica que não restará outra opção ao servidor assediado a não ser a busca de uma solução perante o Poder Judiciário. “Como provas das condutas discriminatórias e humilhantes a que estariam sendo exposta a vítima, esta pode utilizar-se de provas como documentos que demonstrem perseguição; relatórios dos problemas enfrentados encaminhados às autoridades superiores; gravações ambientais (desde que o assediado seja um dos interlocutores); prova testemunhal; entre outras admitidas pelo direito”, completa.

O advogado ainda explica que em uma possível ação, a vítima poderá ser indenizada pelos danos de ordem profissional, material e moral decorrentes do assédio sofrido. “Caso a ação seja promovida em face da União, poderá esta propor ação regressiva em face do servidor “agressor”, visando ressarcir-se dos prejuízos experimentados com a indenização paga à vítima”, finaliza.

Casos na PRF pelo Brasil

Um caso ocorrido na 1ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal no Estado da Paraíba, no município de Bayeux, ganhou repercussão nacional, há alguns anos. Na época foi comprovado que os chefes locais trocavam mensagens eletrônicas com a finalidade de articular maneiras de usar a escala e os sistemas de informação de produtividade para perseguir e assediar moralmente alguns Policiais Rodoviários Federais, inclusive os recém-chegados. O assédio consistia em colocar previamente de “castigo”, para trabalharem no posto de fiscalização mais distante de João Pessoa, os policiais recém-chegados e aqueles tachados de “incompetentes”. Na época o castigo possuía o prazo mínimo de seis meses ou até que os policiais provassem que mereciam trabalhar em um posto melhor ou mais próximo da capital paraibana.

Outro caso que ganhou repercussão foi uma decisão do desembargador Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que condenou, a União a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais à uma agente administrativa da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Porto Alegre, que sofreu assédio moral de sua chefia imediata.  Em seu voto, observou desembargador: “Verifico que ficou suficientemente comprovado o assédio sofrido pela autora, pois, ao que se percebe, o comportamento da chefia tinha o intuito de desestabilizar psíquica e emocionalmente a servidora”, finaliza.