Ilusão: instrumento para a consciência

Ilusão: instrumento para a consciência

Por Angelo Marion

Psicanalista e Policial Rodoviário Federal

www.angelopsicanalise.com

 

  Em vendas, era comum dizer que o bom vendedor criava a necessidade do cliente em potencial sobre o produto ou serviço. Embora você não precisasse de um relógio, o bom vendedor o convencia e motivava a comprá-lo. Uma ilusão.

  Hoje, o bom vendedor já não cria a necessidade, mas reconhece suas necessidades para que possa então vender. Sim, a venda ficou complexa e exigente, mas as ilusões continuam presentes.

  “O vendedor de antes gerava uma ilusão” – é o que pensamos numa análise superficial, mas ao reconhecermos como necessário o objeto de venda, apenas criamos ou damos lugar à ilusão já existente. Hoje o vendedor identifica as ilusões que já temos antes do processo de venda.

  Mas o que é ilusão?

 Para Freud, ilusão é a situação que surge quando, sob um erro ou percepção equivocada da realidade, fazemos um investimento afetivo (ou libidinal, no sentido psicanalítico). Quer dizer, objetiva ou materialmente a realidade é diferente da nossa percepção, e essa percepção leva a um investimento afetivo, através das emoções e sentimentos, quando relacionando-se com o objeto apresentado.

 Caso clássico acontece quando uma pessoa, com o intuito de apenas divertir-se ou obter vantagem material, persuade outra a criar um envolvimento pessoal. Com o tempo, ou com o intuito atingido, dependendo do investimento afetivo do persuadido, surge a realidade, evidenciando que toda a relação era uma ilusão. É a decepção amorosa. Em geral apaixonados vivem uma ilusão, e como é gostoso viver essa ilusão, não é?

 Nesse caso, a pessoa desiludida foi enganada? Isso depende de alguns fatores, notadamente de fundo afetivo, como a autoestima, racionalidade, segurança emocional, todas relacionadas ao autoconhecimento. Quer dizer, o autoconhecimento e a consciência são inversamente proporcionais ao risco e à gravidade da desilusão. Isso coloca a auto responsabilidade como pressuposto de uma vida afetiva protegida.

 

Mundo_Surreal

 Mas não é apenas nesse caso clássico que as ilusões ocorrem. A vida nos apresenta ilusões, pois somos seres de desejo, evolutivos, e o desafio está em perceber o que seja de fato evolução e plenitude diferenciando-se das ilusões. Visão de mundo, vocação, personalidade, religião, relacionamentos, enfim, tudo aquilo relacionado à nossa condição de ser social, e por sua vez ao processo de civilização ou educação de uma pessoa, trazem a oportunidade de perceber o que seja ilusão e o que seja verdadeiro, tendo como referência o bem-estar da própria pessoa, a ausência de sofrimento. Isso inclui também questões profissionais.

 Sim, pode-se afirmar que qualquer situação que traga sofrimento e repetição de padrões passados (Freud nos informa que o neurótico vive de reminiscências) dá indício de uma ilusão. É quando firmamos nosso ser em situações ou relações ilusórias, e a desilusão pode demorar anos, ou décadas para ocorrer, embora o sofrimento já indique que algo está errado. Até a desilusão, somos movidos para a ilusão por motivos que desconhecemos, ou seja, motivos que estão em nosso inconsciente, de alguma forma interferindo nas decisões do ego, quando tem contato com o que se chama pré-consciente, lugar psíquico das memórias, fantasias e ilusões.

 Por outro lado, a vida, em sua dinâmica, apresenta-nos constantes transformações que não são ilusões, nós que, em ilusão, as negamos. Chama a atenção o tempo, vetor absoluto nesse mundo, com o qual temos grandes dificuldades em lidar. Talvez por isso o provérbio popular que diz: “O tempo é o melhor professor”, ou “O tempo é o melhor remédio”. O problema é que queremos sempre que esse tempo, em si absoluto, seja lento nos prazeres e rápido na dor.

 Da fecundação ao nascimento sofremos uma metamorfose ininterrupta, temos nossa individualidade focada no desenvolvimento e crescimento (isso fica no inconsciente), mas a partir do nascimento, somos esses seres incompletos e sujeitos ao desejo próprio de voltar a algo pleno. Será esse mundo uma ilusão, cuja revelação ocorre com a morte? Religiões como o Budismo e o Cristianismo, dentre outras, não afirmam que esse mundo de sofrimento é passageiro? Ilusório? Mas, estamos nele e devemos aprender algo, especialmente sobre nós mesmos.

 Ilusão aqui é não aceitar as transformações, é quando se investe o afeto na esperança apegada que nada mude. Ficaremos velhos, frágeis, teremos a experiência a nosso favor em contraponto a uma incapacidade física crescente. A natureza deu atributos na juventude para que os usássemos nessa fase, e tais atributos vão sendo substituídos por outros, típicos de outras fases.

 No processo terapêutico da Psicanálise a desilusão é presente. É a desilusão assistida na construção de uma pessoa plena e consciente. Sim, a Psicanálise é uma terapia de enfrentamento, enfrentamento da realidade firmada na individualidade, quer dizer, o mundo pode desmoronar, mas você como pessoa continua em pé. Por isso, também existe a resistência durante a terapia, pois o ego, esse mecanismo psíquico, busca sempre evitar a dor, a desilusão. Mas, as ilusões passam, e a pessoa, mais cedo ou mais tarde, depara-se com questões relativas à própria existência. As ilusões não serão eliminadas, mas sim reconhecidas como tais e superadas. Uma pessoa pode manter uma situação ilusória, mas sabendo que se trata de ilusão.

 Somos direcionados a perceber a vida como um constante aprendizado sobre tudo aquilo que não é da própria existência, o mundo, e lidamos com ilusões a todo momento, sendo crivo do que seja ou não ilusão a percepção do que seja importante para a pessoa em si. Isso é desenvolver a consciência.

 A consciência é o porto seguro da existência sucessora da ilusão, e a plenitude não está à venda, e sim em cada um, aguardando o desenvolvimento pela consciência.

 Fiquem bem!